quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Lino Brocka sobre Bona

Bona

Filipinas, 1980

Realização: Lino Brocka
Argumento: Cenen Ramones
Imagem: Conrado Balthazar
Música: Max Jocson
Montagem: Augusto Salvador
Intérpretes: Nora Aunor, Phillip Salvador, Rustica Carpio, Venchito Galvez, Nanding Josef, Spanky Manikan, Marissa Delgado, Raquel Montes
Duração: 100 minutos
Produção: NV Productions

O TEMA DO FILME

Bona, uma rapariga de 18 anos, falta à escola e evita todo o trabalho em casa para poder acompanhar as filmagens, Gardo, um actor de segundo plano. Um dia este é atacado por um grupo por ter feito amor com a irmã de um dos membros. Bona ajuda-o a voltar para casa nos bairros pobres e cuida dele até que recobra os sentidos! Volta depois para sua casa onde encontra o seu pai fora de si que lhe bate violentamente. Bona deixa rapidamente a sua família para ir viver com Gardo. Faz-lhe de comer, lava-lhe a roupa, limpa-lhe a casa e vai buscar-lhe água à única bomba disponível. Uma noite, num momento de fraqueza, Gardo faz amor com ela. Bona sente-se então mais feliz mas isso em nada muda a sua relação. Gardo continua a trazer para casa numerosas mulheres que irritam Bona, obrigando-a a esconder o seu amor por ele. Durante este tempo, o pai de  Bona tenta recuperá-la mas morre de uma crise cardíaca. No funeral, o seu irmão põe-na fora de casa. Ela volta para casa de Gardo sofrendo com a perda da sua família. Alguns meses mais tarde, Gardo projecta deixar o país para ir para os Estados Unidos com a sua amiga Katrina. Bona perde a paciência e queima-o no seu banho

A PALAVRA DO AUTOR

Como nasceu a ideia de realizar «Bona»?

Cenen Ramones tinha proposto um argumento para a série de televisão intitulada Mulheres (Babae). A versão original tinha então sido concebida para a actriz Laurice Guillen que foi a primeira a desempenhar o papel; papel de uma estudante liceal sem problemas que vive a sua primeira história de amor com um actor de segundo plano que ela não hesita em seguir. Era mais acentuada a paixão da rapariga do que o aspecto fanático da situação (...)

Como situar o fanatismo no quadro mais amplo das realidades filipinas?

Compara-o e liguei-o ao fanatismo religioso dos fiipinos. Não há uma grande diferença entre uma estrela de cinema e um santo. Quando o filme foi estreado em Manila, as pessoas lamentaram-se de que Nora Aunor (a actriz que representa a protagonista) pudesse amar um segundo plano como Gardo. Mas eu estava então muito menos interessado pela realidade da situação do que pela do fanatismo. Se ela tivesse podido amar um actor com fama semelhante à sua, ela teria sido rodeada por um tal número de admiradores que a sua fama pessoal acabaria por ser diminuída por isso.

Quais são as características dos admiradores do filme «Bona»?

Muitos deles são rejeitados pelas respectivas famílias. Se você tivesse um dia oportunidade de assistir a uma reunião de «fans» de Nora ouvi-los-ia falar do que abandonaram. Algumas deixaram o seu marido, outros o seu trabalho. Tem de se passar por um período de crise para se tornar um dos seus admiradores. Esta etapa é um ritual de reconhecimento, um símbolo para eles.

Certamente que Bona abandonou tudo, mas não queima ela Gardo no fim do filme?

Ela abandonou tudo mas destroi igualmente tudo aquilo em que toca. Quando uma pessoa considera um ser como o seu próprio Deus este apenas permanece como tal na medida em que se corresponde ao seu sonho. Se se afaste dele, o «fan» é então o primeiro a querer destruir o seu antigo ídolo. É o que eu quis sublinhar na cena em que Bona vê Gardo chorar e em que ela realiza que ele tem necessidade dela. Nesse instante se inicia também o imparável que levará à destruição completa das suas relações. Muita gente disse que eu tinha criado um personagem fraco. Penso o contrário; Bona era cheia de recursos; ela faz-lhe de comer, lava-lhe a roupa, limpa-lhe a casa enquanto ele corresponde à imagem que ela faz dele. Ela venera-o como se respeita o Rochedo de Gibraltar. No entanto é este que é fraco, prisioneiro da sua contínua necessidade de atenções 

(Documentação comunicada pela Produção do Filme)

LINO BROCKA

Nasceu a 3 de Abril de 1939 em San José, Nueva Ecija. Cinéfilo desde muito novo foi espectador assíduo de filmes filipinos. Uma crise espiritual na universidade leva-o a converter-se em mormon tendo cuidado dos leprosos de Malakai durante dois anos. De regresso à sua pátria, trabalhou intensamente para o teatro e situa-se com um realismo cada vez maior perante o complexo universo da produção cinematográfica. Quatro dos seus filmes, Tininbang, Insiang, Manila e Jaguar foram galardoados como os melhores filmes nos respectivos anos de produção.

Extraído do catálogo do "Festival Internacional de Cinema Figueira da Foz", 1982

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